A espera já durava há alguns anos e fazia-se notar em Lisboa no final do dia de 27 de Novembro. Falo da estreia dos The Black Keys ao vivo em Portugal, uma banda já requisitada por muitos milhares no nosso país, número que se fez sentir na multidão que se reuniu nesse dia no Pavilhão Atlântico.
A abrir o concerto, estiveram os britânicos The Maccabees, que já haviam marcado presença no festival Optimus Alive deste ano, no mesmo dia em que outra banda de mover milhões (Radiohead) esteve em Portugal. Mais uma vez, a banda de Orlando Weeks veio mostrar o seu disco mais recente Given to the Wild, editado em Janeiro deste ano e um dos nomeados ao prestigiado Mercury Prize. À frente do palco, reunia-se um pequeno grupo de fãs que durante os 45 minutos do concerto mostrou entusiasmo pela presença da banda. O resto da multidão, porém, mostrava-se ansiosa pelo prato principal da noite e tal fez-se sentir no ambiente (já composto) do recinto durante o intervalo de meia hora entre os concertos, que parecia interminável.
Tal era a expectativa para ver o duo de Akron, Ohio, que, momentos antes de a banda entrar em palco, sente-se a iminente euforia colectiva de cerca de dez mil pessoas. Os aplausos e ovações multiplicam-se quando se ouvem os primeiros acordes de guitarra de “Howlin’ For You” (e do concerto). Nesse momento, ocorre talvez o momento mais insólito da noite, quando o microfone de Dan Auerbach mostra ter problemas de ligação. Em consequência disso, um dos singles mais conhecidos da banda tornar-se-ia assim num instrumental, não fossem os “la la la” do refrão que se faziam sentir, graças ao baixista e ao público que cantavam em uníssono.
Resolvido o problema técnico, a banda retoma em força (e com voz), com “Next Girl” e “Run Right Back”, temas a que o público reagiu, fosse a acompanhar a cantoria em coro dos respectivos refrões ou a dançar de acordo com os riffs de guitarra. Esta dupla de canções não só restaurou a fé na banda, como serviu de sinal introdutório à presença predominante dos últimos dois discos (Brothers, de 2010 e El Camino de 2011) neste concerto. Claro que houve também momentos de reminiscência, e a prová-lo foram temas como “Thickfreakness” (a piscar o olho ao álbum com o mesmo nome de 2003) ou “Girl Is On My Mind” (a única faixa de Rubber Factory a marcar presença no concerto). Mas o concerto centrou-se sobretudo no trabalho musical da banda dos últimos 3 anos (até Auerbach anunciou “Same Old Thing”, tema do disco de 2008 Attack & Release, como uma canção já antiga), ao ponto de não se ouvir nem uma música do LP de estreia The Big Come-Up (algo frustrante, sobretudo para quem já esperava ver a banda ao vivo em Portugal desde o seu início de carreira).
No recinto lisboeta, foi de se louvar a eficácia musical do duo ao vivo, seja a hipnotizar uma multidão de espectadores (como se verificou em “Little Black Submarines”, em que cada acorde, verso ou pausa foi minuciosamente calculado até se atingir o clímax final), a reproduzir em pormenor a sonoridade das canções (com efeito, temas como “Dead and Gone” ou “Tighten Up” foram interpretados de maneira tão perfeita que chegava a dar a impressão que a banda tocava em playback) ou então a experimentar arranjos distintos das mesmas (jogaram com as variações de ritmo a diferentes velocidades em “Your Touch”; “Strange Times” deixou em casa os tons psych-rock e vestiu-se com roupagens mais pesadas, próprias de stoner-rock; e “Sinister Kid” que ganhou um novo vigor com um ritmo vivaço a substituir o tom sombrio da gravação original).
Já individualmente, tanto Patrick Carney como Dan Auerbach tiveram os seus momentos de destaque. O primeiro, embora silencioso, foi sempre presença constante com a sua bateria, chegando mesmo a tomar as rédeas e comandar o resto da banda em temas como “Ten Cent Pistol”. Já Auerbach, por sua vez, além de porta-voz, mereceu a ribalta sobretudo em “She’s Long Gone”, fazendo lembrar tanto Jimmy Page como Robert Plant (um feito notável, que muitos virtuosos do rock moderno gostariam de atingir). Lá mais para o final, demonstrando que o tempo passa a correr quando se está entretido, surge então o momento ao qual ninguém ficou indiferente. Após pedir a ajuda ao público a cantar a música, o guitarrista arranca com as notas iniciais de “Lonely Boy” e a multidão no Pavilhão Atlântico delira, prova definitiva de que estamos perante um dos temas mais viciantes do rock desde que Jack White compôs “Seven Nation Army” em 2003.
Mas a projecto de blues-rock não se ficou por aí, regressando para um encore breve mas visualmente impressionante. Primeiro, com “Everlasting Light”, acompanhada de um visual multicolorido que se propagou por todo o recinto, cortesia de duas bolas de espelhos gigantes (decoração que redefine “disco-rock”) que surgiram enquanto se esperava pelo regresso da banda ao palco. De seguida, foi “I Got Mine”, numa rendição ao vivo tão triunfante que deixa qualquer um convencido que os The Black Keys são a coisa mais próxima dos Led Zeppelin que existe nos dias de hoje (a comprovar tal ideia, após o final do concerto, ouviu-se como epílogo a gravação de “Ramble On” enquanto se saia do recinto), colocando assim um ponto final épico na estreia ao vivo da dupla de Ohio no nosso país. Um concerto que foi algo curto (merecia mais uma meia hora, dado o repertório de músicas que ficaram por tocar), mas que não desiludiu à enorme base de fãs que se reuniu ontem. Fica agora a promessa da banda, rendida aos aplausos de Portugal, de voltar em breve, o que leva a concluir que a espera pelo próximo concerto não demorará tantos anos como a deste..
Pedro Nora