Os Daughters deveriam ter acabado.
Pelo menos seria a atitude compreensível dadas as diferenças criativas entre os membros do colectivo originário de Providence, Rhode Island. No entanto, mesmo apesar de terem ultrapassado tal clima de discordância graças a Andy Low da Robotic Empire e usando a energia da sua música como muleta, a banda norte-americana corria o risco de se tornar num morto-vivo ambulante a arrastar-se por um cenário devastado por um holocausto nuclear.
E se tal imagem traz à memória os testemunhos pós-apocalípticos de George Romero ou Lucio Fulci, é uma igualmente representativa de "You Won't Get What You Want", o 4º trabalho de estúdio dos Daughters. Marcando a sua estreia pela Ipecac - editora fundada pelo prolífico Mike Patton -, os norte-americanos decidiram começar do zero e arriscar tudo neste seu novo trabalho. Com tal arrojo e arrogância, não temeram marcar a sua posição sobre ombros de nomes gigantes como Shellac, The Jesus Lizard, Foetus e, claro, Swans.
De facto, os Daughters não escondem a sua lista de influências mas não se limitam a uma efectuar uma mera reciclagem dos canônes estéticos do noise-rock e sim a criar um marco imponente do género. Quer nas camadas sonoras distorcidas e dissonantes de "The Flammable Man", quer no romantismo gótico de "Less Sex", os norte-americanos mostram versatilidade e, acima de tudo, uma robustez que perdura nesta odisseia pelos meandros obscuros do rock, cujo clímax explosivo intitulado "Guest House" ressoa por qualquer parede sónica.
Graças a uma produção absolutamente ímpar no género do noise-rock (ao ponto de fazer feedbacks de guitarra soarem completamente cristalinos), "You Won't Get What You Want" é muito mais que um marco musical. É um testemunho de vigor de um nome que deveria já estar morto e enterrado. Nada mais apropriado para assinalar o regresso do destaque Freeze! ao Fahrenheit 107.9.
Pedro Nora
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